Primavera do futuro
Este ano para nunca mais esquecer, terá eleições políticas no Brasil e nos EUA. Ambas seguem o protocolo da comunidade científica internacional e de autoridades locais, convivendo com o distanciamento social nessa pandemia que só imaginamos nas telas do cinema catástrofe. O clima de festa nas ruas e nos centros de eventos foram para as calendas. Militância agora, só virtual.
Quem se importa com isso? Eu, também, como militante à moda antiga, diante da preocupação de um velho amigo idealista, daqueles que acompanhei em passeatas e panfletagens, desde há, pelos menos, quarenta e cinco anos. Desperto de um sonho que pareceu atrapalhado, contou-me que andava angustiado com o rumo das coisas no mundo. Lamentou que bandeiras defendidas com convicção estavam largadas, como ações menos importantes.
Isso me preocupou, no divã mutante que o celular se tornou. Teclei logo nas redes sociais, para descobrir o paradeiro, o estado físico e o que cada um de outros pares vêm pensando recentemente. Tudo para comparar se a memória política do meu amigo não era paranoia. Foi assim que nasceu o reencontro de comuns do meu tempo, entre analógicos, digitais funcionais e conectados.
Os preparativos para o dia da reunião em plataforma virtual foram um bom exercício, sendo difícil contornar a ansiedade de alguns convidados, querendo saber se estava tudo combinado mesmo. Independente da falta de contato normal de antes dessa pandemia, a reunião despertou o que dizer.
Não fossem as motivações que nos uniram no passado, lembranças fortes ainda hoje, não teria sentido esse revival. Nos sentimos e nos gabamos como legítimos filhos da luta, em cujas mentes, em algum lugar do passado, houve o temor da globalização, da comunicação de massa, do capitalismo selvagem.
Enfim, chegamos à primavera do futuro que ajudamos a construir. Relembramos que antepassados mais recentes viveram outras moléstias e epidemias, como a febre amarela, peste bubônica, varíola, AIDS, enquanto temíamos a 3.ª Grande Guerra Mundial, o fim do mundo, a bomba atômica, as armas químicas, o bug do milênio, mas não previmos o Covid19.
Vale recorrer ao que escreveu Stéphane Hessel, em “Indignai-vos!”, em 2010, aos 93 anos de idade. Um manifesto contra a indiferença à conjuntura presente, favorável à Democracia, ao Estado de Direito e à liberdade de imprensa: “Os motivos para se indignar atualmente podem parecer menos nítidos, ou o mundo pode parecer complexo demais. Quem comanda, quem decide? Nem sempre é fácil distinguir entre todas as correntes que nos governam. […] Vivemos em uma interconectividade que nunca existiu antes…”
Era mais simples um reporte em outros tempos. Mas, longe das praças, ruas, portas de fábricas, paredes da estiva, partidos, palanques, parlamentos, essa tarefa foi a mais difícil a que me impus. Estamos exilados em casa.
(*) Artigo publicado no jornal “A Tribuna de Santos”, em 20/09/2020.
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