A história se repete: a população enfrenta filas para tentar matricular seus filhos em escolas públicas boas. E essa cena não é privilégio dos municípios nordestinos – que os meios de comunicação exibem mais. No sudeste brasileiro acontece a mesma coisa, fato que pode levar à interpretação de que não há escolas para todos. E não se trata de falta de vagas em escolas públicas. Falta na verdade nivelar por cima a qualidade da educação, em todo o país.
O poder público não consegue corrigir a coexistência de escolas públicas boas e ruins, que na maioria das vezes estão situadas na mesma rua, bairro e região das cidades. Esse diagnóstico foi compartilhado há muitos anos, quando o governo federal decidiu priorizar a universalização do acesso ao ensino fundamental para toda criança de 7 a 14 anos de idade, e instituiu meios para que Estados e Municípios pudessem se engajar nesse objetivo. A iniciativa do então ministro da Educação, Paulo Renato Souza, completa 25 anos, e se as políticas públicas planejadas não tivessem sido interrompidas no centro ou nas pontas da gestão educacional, acredito que uma geração estaria salva e uma sequência positiva revelaria resultados melhores nas avaliações institucionais feitas pelo Brasil e por organismos internacionais, como o PISA.
A criação do Fundef – Fundo de Desenvolvimento da Educação e Valorização do Magistério (atual Fundeb) funcionou como uma garantia de recursos públicos iguais para todos, proporcionalmente ao número de alunos matriculados. Assim, toda escola pública passou a ter as mesmas condições e recursos para a manutenção, custeio de funcionários, professores e dirigentes, merenda, material didático etc. O fundo, criado em 1996 e em operação a partir de 1998, reuniu impostos de estados e municípios e uma complementação da União, com a finalidade de começar a reverter as desigualdades regionais, que sempre foram e ainda são gritantes no país.
O Fundeb tem prazo de validade a expirar em 2020 e a sua revisão deve ser uma das pautas legislativas mais importantes durante este ano, dada a dependência de praticamente todas as redes públicas de ensino básico pelas verbas que o compõem. Em quatro de cada dez municípios, o Fundeb responde por ao menos 70% do orçamento da educação. No Congresso Nacional discutem alterações que podem ampliar em até cinco vezes os investimentos da União e a melhoria dos critérios de distribuição, privilegiando nos próximos anos os municípios mais pobres. Por isso, acho necessário perguntar sempre aos deputados federais e senadores, sobre como está essa prioridade na agenda política do parlamento.
O Ministério da Educação – MEC e as secretarias estaduais e municipais de Educação têm uma chance histórica de mudar essas imagens de familiares nas filas em busca de um ensino melhor, que por si só representa o anseio de terem melhores oportunidades no futuro, com a empregabilidade e a justiça social cantada em prosa e verso pelos políticos, especialistas e ONGs. São muitos os problemas na educação brasileira, especialmente na educação pública, que não permitem a desatenção do Estado.
Crianças no 6.º ano do ensino fundamental sem habilidade de ler e escrever, exibidas nas avaliações institucionais, ajudam a generalizar o discurso contra a situação em que se encontra a educação pública no Brasil, vítima da descontinuidade de políticas e ações bem sucedidas. É essencial firmar o foco na estrutura educacional brasileira, com a maioria recebendo baixos salários, frustração com as condições da oferta de ensino e do trabalho no chão das escolas, dificuldades diárias na realidade escolar e mínima participação das famílias na educação dos seus filhos, apenas para citar alguns exemplos.
A universalização do acesso à educação no Brasil aconteceu em 1997. Uma diferença básica se compararmos com outros países, como os europeus que universalizaram o acesso à educação no século 19, assim como Argentina, Uruguai e Chile. Não é simples comparar a escola pública de hoje com as escolas dos anos 1950, 1960. Naqueles anos, havia 40% das crianças fora da escola. Eram escolas públicas boas para poucos e não uma boa escola pública.
Caro Raul
Acompanho integralmente as suas ponderações. Pena que só um estado entendeu as métricas traçadas pelo saudoso Ministro Paulo Renato. E, incrível e irônico, um estado que começou rezando pela cartilha da social democracia e depois aderiu ao flanco mais esquerdista, o Ceará.
Mas sou otimista. Ainda vejo possível resgatar e implantar a “boa ideia”. Aff??
Sergio Kobayashi
Muito bom artigo Raul, relembrando um planejamento de Estado que foi deixado de lado. Forte abraço! Manuelito Magalhães
Professor é exatamente isso, temos que qualificar o ensino, oferecer escolas públicas boas para que não haja disputa pela vaga para uma mas, que todas sejam “desejadas”.
Não consigo entender essa disparidade na qualidade se, em tese, todas são públicas e com os mesmos procedimentos, doutrinas e profissionais aprovados no mesmo concurso.
Abraços,
Bem disse nosso querido autor : Nivelar por cima! Infelizmente a educação é uma das áreas mais difíceis de se implementar aprimoramentos tendo em vista ser historicamente dominada por sindicatos estritamente alinhados com agenda política e nada preocupados com a qualidade da entrega de um ensino eficaz e de qualidade.
Em Portugal o ensino público é muito bom, e lá existem filas também, por uma razão parecida mas com grande diferença. As filas são para matricular as crianças e adolescentes nas escolas tidas como ótimas, sendo que o padrão geral são escolas muito boas. Quem sabe chegaremos um dia nessa situação. Abs Raul!