Blog do Raul

Não fiz arminhas com os dedos

Bolsonaro ensina criança.

Outro dia postei uma reflexão em meus perfis pessoais na internet, com uma provocação às prioridades do governo Jair Bolsonaro sobre a liberação dos recursos do orçamento federal. Não me contive, por exemplo, com R$ 700 milhões para o ministério da Saúde, apesar de toda a necessidade que o setor tem, e R$ 1,65 bilhão para a Defesa manter os seus quarteis. Como é comum atualmente, recebi manifestações de apoio, contras e de estranheza com a minha postura, tipo “o seu partido (o PSDB) defendeu esse resultado”, agora “faz arminha e chora”.

Entendo que o povo brasileiro está dividido sobre o projeto de país em curso. A intolerância grassa em família e na sociedade, com agressividade e radicalismo. Não vejo uma pessoa que não esteja armada interiormente – no sentido da atitude – e a disparar diante da menor contestação. Há ódio nisso, como bem descreveu o jornalista e escritor Ricardo Viveiros, em artigo publicado no jornal “Folha de São Paulo”, no último domingo (22 de setembro).

O seu diagnóstico relembra que “as pessoas, desde a campanha eleitoral de 2018, em segundos vão da ofensa pessoal à agressão, sem limite de bom senso. Do nada, por nada, para nada. Simples descontrole e violência”, acentuando. Esse cenário está levando muitos a cometer arbitrariedades e injustiças, sem fundamentação e sem observar o contraditório tão valorizado na democracia.

Nem é preciso dizer que esse clima torna insustentável a convivência humana no país, gerando atritos, em casa, nas ruas e em praticamente todos os ambientes; inimizades, divisões nos lares, famílias, escolas, trabalho, religiões sobressaem, sem importar com as consequências futuras em suas relações. Imagina como se sentem aqueles que sempre tiveram um lado na história e que praticavam a civilidade, que é o conjunto de formalidades, de palavras e atos que os cidadãos adotam entre si para demonstrar mútuo respeito e consideração; boas maneiras, cortesia, polidez.

Onde falhamos? É possível definir um culpado, fulanizar responsabilidades com divergência de pensamentos, quando parece que não existe uma ideia em movimento? Será que Viveiros está totalmente certo quando localiza nas eleições de 2018 o início dessa cultura?

Em 2010 experimentamos desse veneno, quando o uso das redes sociais engajou um número maior de pessoas no debate político e eleitoral. Quem esqueceu os discursos de Lula apresentando a sua candidata Dilma Rousseff e patrocinando o confronto dos nós e eles?

O pior é que o mundo enfrenta uma epidemia de fakes news, a destruir verdades, reputações e a cultura da paz universal. Chegamos à 3.ª Grande Guerra Mundial, entremeada da “Quarta Revolução Industrial”, que, abraçada às novas tecnologias transformam a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Especialistas, como Klaus Schwab, autor do livro com o título citado entre aspas, consideram que “em sua escala, alcance e complexidade, a transformação será diferente de qualquer coisa que o ser humano tenha experimentado antes”.

Portanto, não fiz arminhas com os dedos antes, durante ou depois da eleição de Bolsonaro, e espero que o país desembarque a bom termo dessa violência, dando chance à tolerância de Mário Covas ao pregar que “mais vale um não explicado, do que um sim que não pode ser cumprido”.

 

(*) Raul Christiano é jornalista, escritor e professor universitário. E-mail: [email protected]

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14 comentários em “Não fiz arminhas com os dedos”

  1. Ricardo Viveiros

    Estimado Raul, boa noite!

    Obrigado pela generosidade.

    O importante é fazer refletir. Buscar consciência nas pessoas e tornar nossos dias melhores.

    Parabéns pelo texto!

    Lembro sempre do saudoso Mario Covas…

    Abração.

  2. Sinval Leão

    Oi Raul, há muito não recebia material seu. Você continua morando em Santos? E seu jornal em Cubatão? Mande-me notícias suas.

    Gostei de entrar no seu blog e ler post acima. Concordo com v. Os tempos são bicudos, alimentados pelo ódio. Percorremos trilhas desconexas que não se tangenciam. Ficam cada vez mais distantes.

  3. Roberto Tamura

    Raul

    Fantástico este artigo. Conseguiu sintetizar toda celeuma existencial e o sentimento de um Estado de todo Direito sem direção.

    Gostaria de ter a inteligência, cultura suficiente para ter eu escrito este artigo.

    Continuo seu fã. Posso repassar seu artigo em outros grupos?

  4. Sergio Guerreiro

    Muito bom, como sempre, Raul! Também não fiz arminha. Que saudades do Mario Covas

  5. Olá Raul!
    Que bom, você escreve o que pensa e isto é muito importante.
    Ótimo artigo, parabéns!
    Valtílio

  6. Excelente, Raul.
    Sou texto remete a muitas das nossas conversas que resultaram no livro. Este é o desafio: fazer as pessoas dialogarem.

  7. Dagmar Cajado

    Meu amigo de tanto tempo! Parabéns!
    Esse texto está perfeito, estamos vivendo uma guerra não declarada!
    Tristes tempos!

  8. Dagmar Cajado

    Meu amigo de tanto tempo! Parabéns!
    Esse texto está perfeito, estamos vivendo uma guerra não declarada!
    Tristes tempos!

  9. Liliam Fernandes

    Querido amigo, você trouxe importante reflexão acerca dessa guerra travada entre os brasileiros em função de seus posicionamentos políticos. Nosso povo sempre foi pacífico e essa agressividade que divide até famílias, causa espanto.
    Precisamos de mais debates e mais atitudes em favor da paz. Fora desses limites, prefiro me calar porque não adianta “atirar pérolas aos porcos”.
    Todos desejamos um Brasil melhor, mas não é isso que vemos no horizonte.
    Resta lamentar, mas não desistir para que a democracia, conquistada a duras penas, não sofra mais retrocessos, permanecendo como um sustentáculo para um país desenvolvido dentro dos parâmetros da justiça social, do respeito aos direitos humanos e aos recursos naturais.

  10. Jorge H Singh

    Parabéns pelo artigo, excelente! Precisamos sempre construir e manter pontes, nunca implodir caminhos. O debate não ocorre livre, leve e solto porque está corroído pelo viés ideológico dominante em cada setor. Acabou a isenção e tudo virou trincheiras. Péssimo isso para a democracia, para o país, para o futuro.

  11. Luiz Moncorvo

    Raul, tudo bem?
    Estamos sim vivendo uma guerra ideológica, sem lógica (não resisti). Todos nós estamos sendo bombardeados com informações nitidamente com filtro ideológico, dos dois lados. Temos que conversar, dialogar para avançar. Abraços

  12. Excelente artigo amigo Raul! Estamos, e não é de hoje, num processo de transformação, onde já experimentamos vários governos. Na vida, como na política ao meu ver, não existe crescimento sem sofrimento, e entre erros e acertos de cada governo, mesmo com a grande distância cultural entre a população e alguns ainda com posturas radicais, muitas vezes até de forma inconsciente – tipo Maria vai com as outras – penso que a luta de todos nós, deve ser sempre no sentido de buscar o desenvolvimento sustentável, exterminar esse câncer que é a corrupção entranhada, não na política, mas em alguns políticos de modo que todos um dia possam usufruir de um Brasil melhor. Abração meu amigo! Sou seu fã!

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