Há uma discussão em curso sobre a eficiência das políticas públicas e sociais. O governo Fernando Henrique estabeleceu uma rede de proteção social, iniciada com profundas reformas no tratamento da educação básica; primeiro com a universalização do acesso das crianças de 7 a 14 anos de idade, que passou de 89% em 1995, para 97% em 2002; segundo com a implementação de medidas compensatórias, para erradicar o trabalho infantil (PET), para garantir a frequência das crianças nas escolas (Bolsa Escola) e para manter o controle da nutrição e vacinação infantis (Bolsa Alimentação). Agora o governo Lula da Silva comemora a redução da pobreza, como se nada tivesse acontecido antes para garantir esse resultado.
A questão não é apenas de paternidade dos programas e ações. Há um passivo a ser resolvido pelos governos, em todas as suas esferas. Já me ocupei deste espaço para trazer comentários sobre a competência na comunicação. Admiti e admito que o PT e os "amestrados" do governo Lula são eficientes. Aliás, o presidente Fernando Henrique cobrou mais convicção ao PSDB para defender o legado do seu governo. Não estou só nessa reflexão, basta que procurem e leiam a sua entrevista no jornal "O Estado de São Paulo" deste domingo.
Na defesa do gesto de dar o peixe e, ao mesmo tempo, ensinar a pescar, acho que o caminho é o da transformação paulatina das chamadas políticas compensatórias, para aquelas de caráter emancipatório. O brasileiro fica envergonhado com as esmolas governamentais. Isso não é retórica. Nem demagogia para esconder esse sentido de cidadão pleno. O povo quer oportunidades de educação, emprego e geração de renda.
Recordava outro dia que muitas pessoas chamavam o Programa Bolsa Escola, de Bolsa Esmola. Menosprezavam os R$ 15,00 por criança inscrita no programa. Mal sabem que há 40 milhões de brasileiros numa posição abaixo da linha da pobreza. E, destes, milhões com renda familiar "zero". Daí a razão do sucesso das políticas compensatórias.
O jornalista Gilberto Dimenstein, na folha deste domingo, copila um dos chavões de Lula, com uma interpretação diferente: "Um Brasil que nunca tinha visto". O foco do seu artigo dominical é o programa "Dê mais que esmola, dê futuro", da Prefeitura de São Paulo. O autor da idéia é o sociólogo Floriano Pesaro, secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (ele foi Secretário Nacional para o Programa Bolsa Escola Federal no governo FHC), com a cobertura do que chama de "São Paulo Protege".
O programa é um dos carros-chefes da secretaria de Floriano. Com ele são desenvolvidos várias ações integradas de proteção social a indivíduos e famílias em situação de risco pessoal e vulnerabilidade social. É direcionado especialmente a adultos em situação de rua, a crianças e adolescentes em trabalho infantil, vítimas de abuso e exploração sexual, que vivem nas ruas e ameaçados de morte e a adolescentes que cumprem medida judicial em meio aberto.
Isso acontece desde 2005 e alerta os motoristas para que não dêem dinheiro às crianças que pediam esmola nos semáforos, baseada no argumento de que esse tipo de auxílio dificulta tirá-las das ruas e, ao mesmo tempo, sustenta quadrilhas de adultos.
Dimenstein relembra que "como era previsível, a idéia nasceu cercada de desconfiança tanto sobre a possibilidade de as pessoas mudarem de atitude como, principalmente, de o governo oferecer, em contrapartida ao fim da esmola, um melhor atendimento a 4.030 crianças, que, naquele ano, moravam ou trabalhavam na rua".
Os dados positivos e que precisam ser amplamente divulgados, para se tornar exemplo de ação em outros municípios do país, é que um recenseamento da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), ligada à USP, computou 1.842 crianças vivendo ou trabalhando nas ruas em 2007. "Ainda é muito, considera Gilberto Dimenstein, mas a queda é de 54%".
Então, aproveitando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que mostrou a redução maior da pobreza no primeiro governo Lula, para incluir também o reflexo de ações que são apropriadas pelos lulo-petistas, a mudança da paisagem das ruas paulistanas, considerada no artigo de Dimenstein, é "uma das traduções possíveis da estatística divulgada, na semana passada, pela Fundação Getúlio Vargas do Rio, sobre os miseráveis do país, cuja redução, de 2005 a 2006, foi de 5,9 milhões de pessoas".
Importante, não ?
Programas como o Bolsa Família são eficazes apenas a curto prazo, mas não são a solução de um país tão absurdamente desigual como é o nosso.
Pelo contrário. Aumentam a dependência da massa para com o Estado, o que no final das contas é sempre perigoso para o desenvolvimento de uma nação. Afinal, a história mostra que os grandes regimes ditatoriais atuavam dessa maneira, criando no cidadão menos escolarizado a falsa sensação de que o seu Estado é quem garante a sua sobrevivência.
Certo seria se tivéssemos investimentos pesados em Educação e programas realmente bons de acesso ao mercado de trabalho. É assim – e sem assistencialismo – que se constrói um grande país.