Ano novo começou antes da Quarta de Cinzas
Nunca antes na história vivemos uma época assim. Seria comum postar feliz ano novo nas redes sociais, ou centrar as rodas de conversas, porque no Brasil o ano sempre foi dado como iniciado na Quarta-feira de Cinzas! Agora é diferente, simplesmente porque não houve Carnaval como antes.
Nem passamos os dois primeiros meses do ano escolhendo as fantasias e os nossos destinos para poder rasgá-las na folia. Tempos mudados, com rima e tudo, de pandemia. Então me estranho nessa condição de ter recomeçado as minhas atividades de trabalho, longe de repetir aquele rito que sempre fez parte da nossa história.
Certa vez um professor da faculdade de jornalismo ensinou evitar títulos ou inícios de textos com nãos, nuncas, nens. E com ele aprendi que devia escrever uma redação, crônica, artigo científico ou trabalho escolar com um começo cativante, para funcionar como um convite para ser lido até o final. Hoje fiz uma salada mista, porque não tenho uma boa história de Carnaval para lhes contar, pois não houve desfile de blocos nas ruas, trios elétricos baianos, marchinhas nos salões dos clubes, campeonatos de escolas de samba.
Também não vou ficar resmungando aqui da pandemia da Covid-19, que ainda mantém protocolos de segurança sanitária que são para o nosso próprio bem. Nem falar de políticos que quando abrem as suas bocas ou agem nas suas esferas, é melhor cancelar de vez.
Simplesmente porque o ano novo começou no dia certo em 2022: 1.º de janeiro e será inesquecível. Escolhi viajar para um lugar tranquilo, Brotas, no Interior do Estado de São Paulo e não foi para ficar contemplando a natureza num refúgio ou retiro espiritual. Vacinado e cumprindo à risca as distâncias regulamentares, pude assistir de perto algumas cantorias de marchinhas antigas, inclusive com letras adaptadas para os dias atuais e pensar como está passando rápido esse novo ano.
Essa sensação toma conta por causa da quantidade de coisas que já aconteceram e pela instabilidade do mundo com essa máquina de guerra da Rússia. A emergência climática que estamos vivendo, com eventos extremos cada vez mais extremos, sem um movimento urgente dos governos de plantão de antecipação de socorro aos desastres naturais em áreas urbanas. E o ataque contra o povo ucraniano sem perspectivas ainda de um cessar fogo, apesar de toda a mobilização das atenções pelas pessoas que temem pela integridade da própria Terra.
Como é possível minimizar esses acontecimentos, marcados por um tsunami de sangue e mortes, que não vimos antes na história nessa época do ano, salvo raras exceções? Esse Carnaval aconteceu na época certa do calendário, mas o que mudou mesmo foi a nossa forma de nos importar com tudo.
Aprendi com a vida que amadurecer é um processo experimentado diante de situações que exigem o crescimento pessoal, para controlar melhor nossas emoções, entender limitações próprias e tomar decisões com mais segurança. Por isso considero que esses dois meses findados de 2022 serviram bastante para nos fortalecer e poder decidir melhor os novos caminhos que já realçam no horizonte dos próximos 10 meses.
Não acho inteligente, por exemplo, o Brasil mostrar a sua insignificância política, econômica e cultural, porque, como diz assertivamente o jornalista e escritor Mário Sabino, “não somos insignificantes, nos fazemos insignificantes”. Certa vez, o também escritor Stefan Zweig, que escolheu viver em nosso país, fugindo das atrocidades do nazismo durante a Segunda Guerra Mundial na Europa, em 1940, escreveu o livro cujo título marcou e ainda marca discursos ao longo da nossa história: “Brasil, um país do futuro”.
Já estamos no início do terceiro mês de 2022 e apesar do crescimento de 4,6% do PIB em 2021, o Brasil caiu do 12.º para o 13.º lugar no ranking das maiores economias do mundo, de acordo com levantamento da agência de classificação de risco Austin Rating. Portanto esse ranking possibilita uma comparação do PIB dos países em valores correntes, em dólares, mostrando que fomos ultrapassados no ano passado pela Austrália, assim como em 2020, Canadá, Coreia e Rússia, tiraram o nosso país da lista das 10 maiores economias do mundo.
Retomando a linha do raciocínio com foco na mudança, uso uma frase que passou a circular nas redes sociais em 2020, após um estudo da Organização Mundial da Saúde – OMS ganhar manchetes apontando “o brasileiro como o povo mais otimista do mundo. E de tanto pensar no futuro, esquece de agir no presente”. Em 2017, a mesma OMS revelara que o Brasil também era considerado o campeão mundial de transtornos ansiosos, revelando que ninguém teme o futuro mais do que nós.
Ora, quase 19 milhões de brasileiros tinham a qualidade de vida comprometida, antes do coronavírus, que desencadeou transtornos mentais e piorou a situação de quem já sofria com eles. Então, o Ministério da Saúde conduziu pesquisa para avaliar a nossa situação mental, com a participação de mais de 17 mil pessoas em todo o Brasil. O resultado ficou mais alarmante: 86,5% dos entrevistados estavam enquadrados em algum tipo de ansiedade patológica.
Como você, leitor, chegou até aqui, deixo uma questão para refletir e comentar aqui na coluna: Pelo fato de o Brasil ser considerado por uma boa parte da sua gente ufanista ou não, o país do futuro, será eternamente padrão esperar que o melhor esteja somente no futuro?
Artigo publicado no site do “Jornal da Orla” de Santos, espaço de colunistas, Um Olhar Sobre o Mundo, em 04 de março de 2022.
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