Na teoria da comunicação e na experiência da minha própria vida, sempre compreendi algumas mensagens em escala, como a de que uma imagem vale mais do que mil palavras. Que um governo considerado ético é aquele que não rouba e não deixa roubar. Ou que, em relação ao espírito de solidariedade, um erro não induz nem justifica a conivência com outro erro ou com o ato infringente de norma ética ou legal. Mas, nos últimos anos, a inversão de valores é tamanha que fico pensando se terei sucesso na pregação do que sempre aprendi e entendi como o melhor para viver em dignidade.
Acho inaceitável a mais recente afirmação do presidente Lula, quando comentou o flagrante do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), recebendo um bolo de dinheiro com vídeo e áudio, de que "a imagem não fala por si". Não fosse esse mais um ato que não é isolado sob o seu governo, Lula vem pregando um tratamento político para cada desvio de conduta dos homens públicos neste país, justificando que o Brasil vive uma onda de denuncismo, julgamentos apressados e criminalização pela imprensa e pelos canais competentes (TCU, TCE’s, MP’s) de fiscalização e controle sobre a aplicação de dinheiro público.
Lí um artigo de JR Guzzo na última página da revista Veja, no último final de semana, que faz uma excelente reflexão sobre o estado de institucionalização da bandalheira nos últimos sete anos, graças à complacência do presidente da República, que deveria ser o primeiro a explicitar os melhores exemplos para a Nação. Guzzo enfatiza que "há muito tempo, na verdade, a divulgação de um escândalo deixou de inibir outro; ser pego em flagrante é a última de suas preocupações".
Ele pinça vários acontecimentos desse período lulopetista, de responsabilidade do governo e da oposição, protegidos sob a inspiração no que ele chama de "evangelho de Lula e se sustenta que ninguém é culpado de nada". Os ministros do governo Lula entoam esse mantra e diminuem a responsabilidade dos mensaleiros com as chagas na imagem do PT: "Até agora não temos nenhuma dessas pessoas julgada e condenada, por isso acho absolutamente normal que elas exerçam os seus direitos políticos", conforme Dilma Rousseff na convenção do partido.
Ou então sobre as declarações de Juca Ferreira, ministro da Cultura, de que "a imprensa é paga para mentir" e, portanto, ninguém deve acreditar no que ouve, vê ou lê nos meios de comunicação. Isso é muito ruim para a educação de um povo, que se sente cada vez menor diante dos mais espertos que pode sobreviver apenas se levar vantagem em quase tudo…
Qual a vantagem da ética sobre esse mar de lama, se os julgamentos tendem a respostas políticas ao invés de revelar a verdade ou decisões isentas ? Na semana passada o STF decidiu aceitar a denúncia contra o ex-governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo (PSDB), e o novo ministro José Antonio Dias Toffoli votou contra, deixando no ar a interpretação de que um voto favorável derrubaria a tese do "eu não sabia", que ele construiu para isentar Lula.
Mas essa tese valeu antes para considerar o presidente inocente no processo do mensalão que exonerou ministros e afastou deputados do PT e da sua base aliada em 2006. O próprio senador Eduardo Azeredo disse que a sua situação é muito semelhante, mas o tratamento foi desigual e Lula não recebeu nenhum inquérito. Um erro justificaria o outro nesse caso ? A sociedade brasileira é obrigada a aceitar a compensação das falhas, se as provas forem fabricadas ou as imagens e indícios não falarem por si ?
A jornalista Mary Zaidan escreveu artigo com o título de "Pesos e Medidas", para comentar a condenação da ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina (PSB), obrigada a pagar R$ 353 mil aos cofres paulistanos por ter publicado em 1989, anúncios sobre a greve de ônibus na cidade. Nesse caso, Erundina não se meteu em falcatruas para encher seu bolso, não inventou operações escusas de precatórios, não fez acordos com empreiteiros, não desviou grana para caixa 2 de campanha.
Hoje o deputado federal cassado José Dirceu (PT), ao voltar ao comando do partido, disse que o povo sabe diferenciar corrupção de caixa 2. Lula disse na semana passada que o povo brasileiro sabe que a solução para mudar esse cenário passa por uma reforma política; iniciativa que sempre surge como o remédio para todos os males e que não teve consenso nas últimas quatro legislaturas do Congresso Nacional.
O povo sabe, o povo quer. Daqui a pouco sobrará para o povo a responsabilidade pela impunidade e pelas teses esdrúxulas dos governantes de plantão, às vésperas de uma eleição importante em 2010. Até quando os direitos serão desiguais para todos ? Quais as razões, como bem reflete Mary Zaidan, para a defesa insana do senador José Sarney por Lula ? Porque os produtores do dossiê antitucano na campanha de 2006 continuam fora da cadeia ? E o publicitário Duda Mendonça que relatou ao vivo e a cores que recebera dólares não declarados em uma conta no exterior para quitar dividas do PT com o seu trabalho em campanha ?
A "vantagem" da corrupção não pode diminuir a expectativa de quem faz muito para mostrar a diferença. Comecemos por impedir que se nivelem todos os políticos por baixo. Ainda há tempo de refletir e construir as nossas melhores escolhas ! Não somos avestruzes !