Sem medo de dormir com o inimigo.
É comum dizer, quando o assunto é política partidária, que política é "a arte de engolir sapos". Fica difícil discordar dessa interpretação que, aliás, afasta muitas pessoas desse mundo e permite a hegemonia de uns poucos. Poucos que ainda convivem com uma fração que adora manter a política na beira do esgoto (a tal "escória" definida por Ciro Gomes), mas que precisam sentir que não estão agindo com a indiferença dos cidadãos. Isso é o que parece quando as pesquisas mostram os baixos índices de confiança nos políticos de uma forma geral.
O presidente Lula sintetizou essa razão, quando se disse uma "metamorfose ambulante" para justificar a sua necessidade de mudar o passo da dança de acordo com a música. Afinal, quem poderia imaginar o seu governo tão conservador, que antes da sua própria eleição aterrorizava mercados e os setores conservadores da sociedade? Lula fez uma lição de casa, retornando ao princípio deste comentário, e manteve intactas as políticas bem sucedidas, principalmente na área econômica, onde radicalizou nas medidas mais ortodoxas e na permanência de gestores com o mesmo perfil do governo anterior.
No Congresso Nacional a dose foi repetida, dos governos Sarney e FHC, no contexto de que sempre as alianças políticas objetivam a conquista e a repartição do poder, a priorização de verbas orçamentárias, parcerias e governabilidade; raramente são programáticas. Para ser bem mais claro, é fundamental dizer que esse comportamento não se restringe ao Congresso, porque se repete em todas as esferas de governo (nos Estados e municípios).
A democracia é o melhor regime político, mas no Brasil ela vem se consolidando mais pelo reconhecimento e respeito à alternância do poder, que pelo aperfeiçoamento das suas instituições e práticas. Ela proporciona tanta flexibilidade, que quase tudo é permitido. Nossa organização partidária é artificial e está sujeita ao personalismo das lideranças políticas regionais. Ninguém ousa dizer que as suas alianças não são programáticas, porém em primeiro lugar estão os nomes e os projetos pessoais.
Clóvis Rossi resumiu estas reflexões, no título de seu artigo na Folha de São Paulo de hoje, ao escrever "quem se rende ganha". Para o momento que estamos vivendo novamente cabe um milhão de justificativas para tentar explicar a convivência de personalidades políticas com histórias e pensamentos tão diferentes na mesma cama e/ou sob o mesmo teto.
Se não houver uma reforma política, com o reassentamento da importância dos partidos políticos na sociedade, definidos ideológica e doutrinariamente, para então estabelecer o seu arco de alianças, veremos esse filme de unificar interesses e esforços para obter vantagens. Fora isso, olharemos apenas para os nossos próprios umbigos, agregando forças circunstanciais, sem conexões para o futuro, porque no jeito atual de fazer política parece sempre que o futuro é hoje.
Literalmente, dormimos com os "inimigos". Acho desnecessário relacionar com quem estamos ficando partidariamente nos últimos tempos. Curioso é saber que o fazemos com noção de onde mora o perigo!
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